quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Constituição vilipendiada.

A cada dia que passa mergulho em maior profundidade nesse poço de decepções em que se transformou a sociedade brasileira. Uma sociedade onde o império da Lei só se impõe aos mais fracos, aos pobres, às minoria. Se você tiver dinheiro ou poder terá um salvo conduto para urdir e executar quaisquer ilícitos sem receio de uma reprimenda. Se você é detentor de um desses dois atributos fique certo que a inteligência maquiavélica e ardilosa dos advogados sempre encontrará uma porta para uma saída, um salvo conduto e certamente também encontrará julgadores que lhe darão guarida. Não tenha dúvidas que nesse caso, observadas as duas premissas PODER ou DINHEIRO, justiça em alguma instância será indulgente. Observe-se como exemplo o que acaba de acontecer no julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma que se safou de se tornar inabilitada para o exercício de funções públicas por uma matreirice, um jogo de empurra do Presidente da Sessão Ministro Ricardo Lewandowski. Nossa Constituição é cristalina quanto a esta questão. Mesmo as pessoas leigas em matéria jurídica, como é meu caso, não têm dúvidas sobre o alcance do que preconiza Parágrafo Único do Inciso XIV do Art. 52 a seguir transcrito: Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. Precisa ser mais claro? Quem duvida que a dosimetria da pena é cumulativa? Sem subterfúgios, sem arrodeios, e digo ainda sem que seja preciso ser operador do direito está mais do que esclarecido que os constituintes de 1988 definiram a pena nesse parágrafo sem restar margem para dúvidas. Um dia saberemos o que se passou nos bastidores para que essa novela tivesse esse fim promovendo um desrespeito à Carta Magna. João Pessoa, 01 de Setembro de 2016

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Lucy de Badu

Acho que todos sabem que a personagem Luzia na novela global Velho Chico é nossa encantadora conterrânea Lucy Alves. Pois bem, em 2010 tive meu primeiro contato com essa extraordinária e talentosa artista. Naquele dia, deslumbrado com seu potencial artístico escrevi um pequeno comentário antevendo seu sucesso que agora é reconhecido por todo País. Transcrevo a seguir meu presságio. LUCY DE BADU Valdelice e Enéas são os pais de minha filha Beatriz. Encucou? Beatriz, ou Bia é casada com meu filho mais novo, Mauricinho. Desencucou? Sexta feira 11 o casal serviu um jantar de confraternização natalina no seu apartamento. Mesa primorosa, iguarias refinadas e uísque honesto tudo regado a um papo agradável e bem humorado. Chamou atenção e registro com especial destaque a presença de uma menina prodígio filha de Badu (José Hilton Alves), a Lucy (Lucyane), componente do grupo Clã Brasil. Lá pras tantas Lucy foi convidada para tocar seu instrumento, o acordeon que eu insisto em chamar de sanfona, me parece mais autêntico. Que formidável surpresa. Logo aos primeiros acordes seduziu a platéia com sua técnica e seu apurado pendor artístico improvisando com incrível facilidade. De repente aquele corpinho franzino transmutou-se num enorme espírito de luz formado de fusas e semifusas. O encanto se deu num passe de mágica. Os dedos percorriam o teclado e os baixos numa precisão virtuosa, projetando uma nuvem indefectível de ritmo, melodia e harmonia. Sonhei ao ouvir e relembrar o mestre Sivuca nos acordes do seu “Quando me lembro” que ela executou a meu pedido. Ao final beijei-lhe a face comovido. Tenho absoluta certeza que essa pequena grande artista ainda brilhará e alcançará um lugar privilegiado de projeção na musicografia brasileira, pois talento e sentimento não lhe faltam. Estaria até agora escutando contrito e anestesiado aquela maravilhosa audiência não fosse uma crise renal que me nocauteou justo naquela noite. A dor tomou conta de mim obrigando-me uma retirada abrupta. Sai sem cumprimentar os presentes, nem Lucy. Lucy minhas desculpas e o reconhecimento pelo seu talento indiscutível.

sábado, 23 de julho de 2016

Barão de Mulungu

As pessoas já nascem com uma formatação intrínseca definindo seu comportamento e suas tendências ao longo da vida. Uns são acomodados, outros inquietos, alguns vagarosos outros agitados, uns com pendores artísticos outros beligerantes, uns falantes outros monossilábicos, nômades, aventureiros e assim pode-se encontrar uma cadeia incontável de personalidades. Só os infortunados não têm pendor para nada. São um zero a esquerda. Meu cunhado Romero é um exemplo concreto de um espírito empreendedor, nasceu com essa luz. Após morar cerca de quinze anos nos Estados Unidos retorna ao Brasil para tratamento de saúde. Aqui permanece num lá e lô, hora em João Pessoa, ora na Fazenda Mulungu de propriedade de sua família. O gênio um pouco arrebatado típico dos iluminados tem uma tendência natural pelos desafios. Não se dobra aos obstáculos. Por exemplo, mesmo com problemas de saúde, movendo-se com dificuldade e o dinheiro escasso nesses poucos dias de passagem pela fazenda onde convive com seu tio Sebastião (Bastos) marcou sua presença com uma série de ações onde se destacam: Instalação de uma oficina mecânica, Impermeabilização da Cisterna, confecção de um portão para garagem, projeto de Paisagismo na frente da casa sede, limpeza de um poço profundo e conserto do cata vento, recuperação da cerca do curral, projeto e instalação da “Transmulungu” (estrada que contorna a sede da fazenda), confecção de cochos para bodes, desobstrução de instalações sanitárias, aquisição de um reboque, aquisição de um quadriciclo, colocação de artifícios nas árvores do terreiro para comida de passarinhos. Essas pessoas dão pouca importância se aconteceu uma experiência exitosa ou não, para elas o importante é fazer, por isso que são mais vulneráveis aos tropeços. Como é o caso do estadista Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, que liderou inúmeros empreendimentos comandou dezessete empresas e chegou a acumular uma fortuna hoje equivalente a 60 bilhões de dólares e terminou pobre. João Pessoa, 23/07/16

sábado, 16 de julho de 2016

DÍVIDAS

A intolerância se caracteriza como uma manifestação de desagravo por algum fato, coisas ou pessoas. Há quem não tolere certos matizes ou sons, outros não admitem alguns sabores, há quem não tolere a escuridão, outros fogem das multidões. Para qualquer circunstância ou coisa concreta ou mesmo subjetiva ha sempre um intolerante. Eu por exemplo não tolero dívidas. Consigo conviver com qualquer adversidade, com a dor, com a traição, com a ingratidão, com a fome, com a sede, com o frio ou calor, mas a dívida, esta realmente me tira totalmente do sério. Uma vez contraída fico com o raciocínio embotado, taciturno, irritado. À medida que passa o tempo ela vai se avolumando e se apossando do meu eu como se nada mais no mundo existisse ou importasse me tornando incapaz de pensar noutra coisa. Transforma-se numa megera, numa nuvem negra ocupando todos meus espaços e me acompanhando a todos os lugares. Chego a perder o sono e por mais que eu tente focar outro assunto a pústula arrodeia e com artimanhas e ciladas consegue fixar-se no domínio da situação. Enquanto isso ela vai ficando, vai ficando e produzindo seus horrores até que eu consiga um antídoto eficaz para exterminá-la qual seja: pagar.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

A Nação ferida e seus dois algozes

Vivenciamos um momento de crises generalizadas sem precedentes na história da República. Crise financeira, crise política e socioeconômica. A sociedade aturdida e aflita se encontra mergulhada num mar de lama sem vislumbrar um porto seguro. Houve uma deterioração invulgar do tecido social e dos fundamentos do que é certo e do que é errado. Nesse avalanche de impropriedades o mal e o bem se confundem numa promiscuidade doentia. A corrução alastra-se como um turbilhão avassalador e se propaga em todas as direções e em todos os níveis da administração pública. Para o discernimento do que correto e do que é ilícito não mais existe escolha. A Nação ultrajada também não tem escolha. Toda comunidade política atual está contaminada por uma espécie de vírus causador de uma pandemia incurável. Todos de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, incursos em delitos penais. Difícil encontrar algum honesto. Se alguma exceção existe não se pode identificar. Os ilícitos praticados pelos agentes públicos ocupam toda cadeia prevista no Código Penal. Lavagem de dinheiro, Estelionato, Prevaricação, Calúnia, Difamação, Injúria, Furto, Roubo, Extorsão, Falsidade ideológica, Peculato, Concussão, Corrução ativa, Corrução passiva, Tráfico de influência, Fraude, Apropriação indébita. Este cenário nos conduziu a uma situação inusitada: a República atualmente tem dois presidentes, um em exercício interinamente e outro afastado. A sociedade vacila numa dúvida atroz. Quem deveria continuar governando. Dilma ou Temer? Considerando o comportamento dos dois mandatários e o perfil do entourage de cada um é o mesmo que se perguntar: O que é melhor pular do 19º andar ou do 21º? Ou então: Que você prefere morrer de câncer ou da febre Chikungunya? Qualquer que seja a resposta essa o levará para sete palmos debaixo da terra. Estamos, pois fadados a sucumbir. Adeus esperança!

segunda-feira, 7 de março de 2016

Condução coercitiva

O jovem e brilhante advogado Rodrigo Soares, hoje integrando os quadros da Secretaria Geral da Presidência da República, como Chefe de Gabinete, publicou na rede social um artigo de apoio ao ex-presidente Lula. O artigo, por sinal muito bem escrito, denuncia a indignação do autor com a condução coercitiva de Lula e defende o líder petista enaltecendo seus feitos durante o exercício da presidência e anuncia que não existe prisão para custodiar quem realizou tantos benefícios para a sociedade brasileira notadamente para as classes menos favorecidas. Até certo ponto é compreensível a reação e os argumentos do ilustre Advogado em defesa de seu companheiro de partido. No meu julgamento Rodrigo, que muito me honra com sua amizade, é uma pessoa íntegra e muito bem intencionada, mas no caso em apreço me parece equivocado ao realçar os atributos e méritos de seu aliado político. Lula ficará perpetuamente preso na memória dos brasileiros pelas centenas de milhares de escolas e hospitais que deixaram de ser construídos em razão dos desvios dos recursos nos “propinodutos” do seu governo e sucessores, pelos bilhões de Reais surrupiados dos cofres públicos com leniência do governo do PT, pelo desaparelhamento do Estado, pelo desencadeamento de uma prática nefasta de atos ilícitos e corrupção no intuito de se manter no poder. Lula ficará eternamente preso na memoria do inconsciente coletivo como o homem que via tudo, tinha conhecimento de tudo, sabia dos gravames e de suas consequências e sempre jurou de pés juntos que nada sabia. Evidentemente não se pode obscurecer que durante seu governo ele conseguiu algum avanço na área social, mas a custo de um legado que precisará muitas e muitas gerações para curar as mazelas provocadas pela súcia delinquente que com ele governou. Lula ficará para sempre irrogado com a pecha de quem teve todas as condições políticas para promover as grandes reformas reclamadas pela sociedade todavia preferiu preocupar-se com estratégias escusas que lhe garantissem a perpetuação no poder. Seus pecados são infinitamente maiores que suas parcas virtudes consequentemente não pode ser absolvido.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Um discurso subalterno

Estupefato foi como me senti ao escutar Pela Rádio Senado, neste final de Fevereiro, o pronunciamento da senadora Gleisi Hoffmann (PT do Paraná) em defesa do ex-presidente Lula. O discurso por um lado demonstra um sentimento de lealdade e companheirismo da Senadora para com seu líder maior e por outro lado denuncia um comportamento subalterno e um exagero exacerbado. Segundo a Senadora Lula está sendo vitima de um complô das elites por defender uma política de amparo à pobreza. Ao seu julgamento o ex-presidente Lula foi o maior e melhor Presidente da República de todos os tempos. Mais ainda em termos de liderança estabelecendo-se um ranking mundial Lula vem logo após Jesus Cristo. Segundo ela o ex-presidente defende que as classes dominantes inverte os papeis quando coloca em primeiro lugar o mercado e em segundo plano olhar para o povo. Assim para angariar a simpatia das classes menos favorecidas ele insiste na defesa de ideias populistas e sensacionalistas para aliciar as classes sociais de menor poder aquisitivo. Analisando com responsabilidade a situação da crise econômica não há como discordar que salvar primeiro o povo depois o mercado é uma visão populista e irresponsável. Num diagnóstico correto infere-se que numa relação de causa e efeito, primeiro há que se consertar a economia para que haja desenvolvimento. Os benefícios para a sociedade são consequência.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Diários da Presidência

Meu filho Guga presenteou-me Diários da Presidência dizendo ele no oferecimento ser uma escapatória para esquecer um pouco minha “surdez”. Trata-se de uma descrição minuciosa do dia a dia da Presidência do Brasil escrita pelo sociólogo e Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no primeiro ano de seu governo (1995 a 1996). Um compêndio volumoso com mais de oitocentas páginas que leio com avidez. O conteúdo desse diário registra e descreve minuciosamente as benesses e as agruras do Poder. O desprezível fisiologismo politico, o vezo clientelista dos Deputados, as relações azedas e às vezes promíscua com a imprensa, o escambo político, a ciumeira doentia no núcleo do Poder, as cascas de banana, o dialeto e códigos de comunicação dos parlamentares que quando diz nunca é agora, quando diz vou fazer, espere sentado. Expõe as mais diversas formas de pressão que o governante tem que administrar desde as mentiras plantadas ao indesejável é dando que se recebe. Enfim descortina a lama do Poder. Deduzi em diversos registros consignados que os maiores problemas lhes foram causados pela imprensa e pelo “entourage”. Na realidade de uma maneira geral a imprensa brasileira é sensacionalista e objetiva vender não importa os meios, mesmo que para isso tenha que criar factoides inverossímeis. Para atingir seus propósitos saboreia uma dieta de sangue e escândalos. Aliás, ao meu juízo, só existem duas notícias de plena credibilidade na imprensa escrita do Brasil, os obituários e os anúncios classificados. O resto tem que ser interpretado com muito cuidado, pois nem sempre a verdade está na versão do fato. A outra pedra no caminho é a ciumeira dos amigos disputando quinhões do poder. É algo desgastante e tumultuoso para o Governo. Vide as querelas e questiúnculas entre Serra e Pedro Malan (Tom & Jerry). Ainda não terminei a leitura. Voltarei oportunamente a comentar.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A saga de Júlio Santeiro

Cancela do Frade, uma cidadezinha de pouco mais de três mil habitantes, incrustava-se nos confins do agreste do Sabugi. Reza a tradição que o nome do lugarejo origina-se de uma história curiosa e carente de comprovação. Conta-se que no Brasil colonial um Frade Capuchinho em visita ao local foi urinar num mourão de uma porteira onde se metera uma cobra num buraco. O réptil sentindo-se ameaçado pela urina picou o bilau do frade vindo o mesmo a falecer. Ali morava Júlio Santeiro com a mulher Inácia e dois filhos menores Afra com treze anos e Zacarias com cinco. Os nomes foram apostos com um propósito. Afra (uma jovem corça) para significar o início e Zacarias (lembrado por Deus) o Z do final, pois não era intenção do casal contrair uma prole maior. Júlio ganhou o apelido porque esculpia santos em madeira. No momento ultimava um lindo projeto de um presépio encomendado pelo Prefeito Tião do Carmelo. Inácia dedicava-se às prendas domésticas e algumas tarefas como alimentar o jegue Alvorada, alguns animais e umas galinhas. O burrico ganhou esse nome porque todo dia pela manhã, infalivelmente às quatro e cinquenta relinchava como a anunciar o nascer do dia. Há mais de cinco anos não chovia em Cancela do Frade. Uma seca inclemente castigava toda região. Zacarias nunca havia visto uma chuva. Naquele dia, entretanto Júlio teve um pressentimento de que iria chover. As orelhas do jegue Alvorada estavam viradas para baixo. Era um sinal infalível. Logo cedo como de costume foram dormir. O casal numa cama e os garotos em redes armadas na pequena sala. Durante toda noite a ameaça de chuvas foi precedida de relâmpagos e muitos trovões. O dia amanheceu sob fortes chuvas. O sol não mostrou sua pujança. O jegue Alvorada não soltou seu rincho. Afra acordou encharcada por uma goteira em cima de sua rede. O casebre parecia desmoronar-se sob a enxurrada. Eis que de repente uma das vigas de madeira despenca atingindo a perna de Zacarias e destruindo a escultura que Júlio trabalhava há dois meses. Ouviu-se um grito seguindo de choro. A pancada fraturou o antebraço esquerdo de Zacarias. Júlio rapidamente com ajuda de Afra tenta apoiar o teto com um armário e Inácia cuida em socorrer Zacarias. Este continua chorando e reclamando da dor. - Temos que leva-lo a um posto de saúde – Diz Inácia não escondendo sua preocupação. Júlio atrela Alvorada numa carroça e protegido por uma pequena lona enfrenta a chuvarada conduzindo Zacarias ao PSF. No caminho o pneu da carroça furou. Júlio não titubeou considerando a gravidade do momento seguiu viagem com o pneu furado. Chegando ao PSF encontrou apenas uma atendente sem habilidade para um socorro de emergência. Somente após algumas horas chega um enfermeiro todo ensopado. Desculpando-se pelo atraso examina o braço de Zacarias e profere seu diagnóstico: - É houve realmente uma fratura vamos ter que engessar. - Temos um pequeno problema. O gesso disponível petrificou. - A solução é procurar se o farmacêutico Enedino tem algum. Júlio de pronto corre à casa de Enedino que ainda não tinha acordado. Bate a porta com insistência. Enedino acorda e por sorte tinha as ataduras de gesso. Com o braço já engessado Júlio procura consertar o pneu da carroça e retorna à casa em seguida ainda sob temporal. Ao chegar encontra Inácia com outros apuros. As águas acumularam-se ao redor da casa e já estava invadindo o interior. Júlio desatrelou Alvorada guardou os arreios e acomodou Zacarias na sua cama. Em seguida com dificuldade improvisou um arrimo com sacos de areia colocando-os no entorno para impedir que a casa fosse alagada. Por precaução acomodou os poucos objetos de valor em cima do guarda roupa e alguns pendurou amarrando-os nos caibros. Mesmo assim estava ciente que a casa não suportaria outra noite de chuva. Melhor seria prevenir que remediar. Planejou pedir arrego na Prefeitura ou com o Padre Bartolomeu. Procurou o Prefeito, mas esse estava ausente, pois tinha ido à Capital a procura de socorro. Foi ter com o Padre Bartolomeu. De pronto o vigário ofereceu-lhe ajuda e disse-lhe que trouxesse o mínimo necessário para um dos cômodos da Casa Paroquial. Júlio retorna e juntamente com a mulher acomoda na carroça todo seu patrimônio. Alguns gêneros alimentícios, duas esculturas de madeira, duas redes, uma maleta com roupas, um filtro de barro, um sistema de som 3 em 1, uma pequena TV, alguns retratos de família, uma Bíblia Sagrada, um crucifixo de pedra sabão e um oratório com uma imagem de Padre Cícero Romão Batista. Dispôs um travesseiro para acomodar Zacarias e partiram. A meio caminho, com a continuidade das chuvas, rompeu-se um pequeno barreiro lindeiro à estrada que transitavam e o nível das águas subitamente cobriu toda a estrada. O burrico Alvorada não teve força suficiente para enfrentar a correnteza e a carroça foi arrastada indo de encontro a um muro de arrimo. Com o choque todos os pertences foram arrastados. Júlio consciente da perda material e reconhecendo ser um fato consumado preocupou-se apenas em levantar e conduzir Zacarias para um local seguro para onde também foram Afra e Inácia. Vão-se os anéis ficam os dedos – comentou tentando acalmar a mulher que chorava copiosamente. No outro dia a chuva parou e o sol voltou a brilhar. Finalmente tudo isso não teria acontecido se não existisse dois desocupados um escriba simplório como eu e um leitor curioso como você. Infelizmente em todo jardim há flores e espinhos. maurício montenegro

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Flor do cerrado

Os filhos da gente nunca crescem, são sempre meninos. Convivendo diuturnamente você pensa que conhece as pessoas; Por mais íntimas que sejam há sempre um universo intransponível em cada um protegido pela individualidade. De onde menos se espera às vezes acontecem descobertas inusitadas. Manifestações incomuns que denunciam atributos reprimidos como é o caso que demonstra meu primogênito Guga ao escrever o belíssimo poema a seguir transcrito singular e exótico como uma flor do cerrado. Pelos hotéis e pousadas Sumido, perdido na estrada Da rua do poço do mundo Chorando o pranto profundo Das dores dessa madrugada Sem ponto, partida ou parada. Encaro o fel e a doçura Olhando beleza e feiura Querendo chegar pra sair Sonhando acordar e sorrir Vivendo sem tanta amargura (Guga Montenegro)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Meu nome é Caio

Sentei num banco à sombra de uma mangueira enquanto esperava lavar o carro. Aproximam-se um afro descendente e um garoto de uns seis anos. Ambos sentaram-se no meio fio e o menino reclamou: - Nós chegamos primeiro. Disfarcei e disse que eles podiam sentar no mesmo banco se quisessem. O guri muito simpático e com ar desinibido abraçava duas bandas de côco verde. O adulto também sorridente segurava um par de chuteiras. Puxando conversa balançou as duas segurando-as pelo enfiador e comentou: - São pesadas. Para ser simpático segui a conversação: - O Senhor joga em qual posição? - Zagueiro sentado. - Não, é que a maior parte do tempo fico no banco. Sorri com seu bom humor e voltei-me para o garoto. Brinquei e perguntei se ele não me dava um pedaço de côco. - Pode levar. Respondeu sem titubear. Elogiei seu comportamento e perguntei seu nome. - Meu nome é Caio. - Caio Prado Júnior - comentei. (Não sei por que essa bobagem da gente repetir o nome de alguém famoso). - Errou. Caio Barbosa Lobo. E sei imitar “Maicon Gerson”. Pensei um desses meninos prodígio. - Ah você sabe imitar o Michael Jackson imita ai que eu vou filmar com o celular. Liguei a geringonça para filmar, mas não encontrei a função desejada. O garoto consolou-me. - Liga não. Teu celular tá de bobeira. São coisas simples da vida com poesia e humor guardadas no baú da sabedoria popular.