segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Diários da Presidência

Meu filho Guga presenteou-me Diários da Presidência dizendo ele no oferecimento ser uma escapatória para esquecer um pouco minha “surdez”. Trata-se de uma descrição minuciosa do dia a dia da Presidência do Brasil escrita pelo sociólogo e Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no primeiro ano de seu governo (1995 a 1996). Um compêndio volumoso com mais de oitocentas páginas que leio com avidez. O conteúdo desse diário registra e descreve minuciosamente as benesses e as agruras do Poder. O desprezível fisiologismo politico, o vezo clientelista dos Deputados, as relações azedas e às vezes promíscua com a imprensa, o escambo político, a ciumeira doentia no núcleo do Poder, as cascas de banana, o dialeto e códigos de comunicação dos parlamentares que quando diz nunca é agora, quando diz vou fazer, espere sentado. Expõe as mais diversas formas de pressão que o governante tem que administrar desde as mentiras plantadas ao indesejável é dando que se recebe. Enfim descortina a lama do Poder. Deduzi em diversos registros consignados que os maiores problemas lhes foram causados pela imprensa e pelo “entourage”. Na realidade de uma maneira geral a imprensa brasileira é sensacionalista e objetiva vender não importa os meios, mesmo que para isso tenha que criar factoides inverossímeis. Para atingir seus propósitos saboreia uma dieta de sangue e escândalos. Aliás, ao meu juízo, só existem duas notícias de plena credibilidade na imprensa escrita do Brasil, os obituários e os anúncios classificados. O resto tem que ser interpretado com muito cuidado, pois nem sempre a verdade está na versão do fato. A outra pedra no caminho é a ciumeira dos amigos disputando quinhões do poder. É algo desgastante e tumultuoso para o Governo. Vide as querelas e questiúnculas entre Serra e Pedro Malan (Tom & Jerry). Ainda não terminei a leitura. Voltarei oportunamente a comentar.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A saga de Júlio Santeiro

Cancela do Frade, uma cidadezinha de pouco mais de três mil habitantes, incrustava-se nos confins do agreste do Sabugi. Reza a tradição que o nome do lugarejo origina-se de uma história curiosa e carente de comprovação. Conta-se que no Brasil colonial um Frade Capuchinho em visita ao local foi urinar num mourão de uma porteira onde se metera uma cobra num buraco. O réptil sentindo-se ameaçado pela urina picou o bilau do frade vindo o mesmo a falecer. Ali morava Júlio Santeiro com a mulher Inácia e dois filhos menores Afra com treze anos e Zacarias com cinco. Os nomes foram apostos com um propósito. Afra (uma jovem corça) para significar o início e Zacarias (lembrado por Deus) o Z do final, pois não era intenção do casal contrair uma prole maior. Júlio ganhou o apelido porque esculpia santos em madeira. No momento ultimava um lindo projeto de um presépio encomendado pelo Prefeito Tião do Carmelo. Inácia dedicava-se às prendas domésticas e algumas tarefas como alimentar o jegue Alvorada, alguns animais e umas galinhas. O burrico ganhou esse nome porque todo dia pela manhã, infalivelmente às quatro e cinquenta relinchava como a anunciar o nascer do dia. Há mais de cinco anos não chovia em Cancela do Frade. Uma seca inclemente castigava toda região. Zacarias nunca havia visto uma chuva. Naquele dia, entretanto Júlio teve um pressentimento de que iria chover. As orelhas do jegue Alvorada estavam viradas para baixo. Era um sinal infalível. Logo cedo como de costume foram dormir. O casal numa cama e os garotos em redes armadas na pequena sala. Durante toda noite a ameaça de chuvas foi precedida de relâmpagos e muitos trovões. O dia amanheceu sob fortes chuvas. O sol não mostrou sua pujança. O jegue Alvorada não soltou seu rincho. Afra acordou encharcada por uma goteira em cima de sua rede. O casebre parecia desmoronar-se sob a enxurrada. Eis que de repente uma das vigas de madeira despenca atingindo a perna de Zacarias e destruindo a escultura que Júlio trabalhava há dois meses. Ouviu-se um grito seguindo de choro. A pancada fraturou o antebraço esquerdo de Zacarias. Júlio rapidamente com ajuda de Afra tenta apoiar o teto com um armário e Inácia cuida em socorrer Zacarias. Este continua chorando e reclamando da dor. - Temos que leva-lo a um posto de saúde – Diz Inácia não escondendo sua preocupação. Júlio atrela Alvorada numa carroça e protegido por uma pequena lona enfrenta a chuvarada conduzindo Zacarias ao PSF. No caminho o pneu da carroça furou. Júlio não titubeou considerando a gravidade do momento seguiu viagem com o pneu furado. Chegando ao PSF encontrou apenas uma atendente sem habilidade para um socorro de emergência. Somente após algumas horas chega um enfermeiro todo ensopado. Desculpando-se pelo atraso examina o braço de Zacarias e profere seu diagnóstico: - É houve realmente uma fratura vamos ter que engessar. - Temos um pequeno problema. O gesso disponível petrificou. - A solução é procurar se o farmacêutico Enedino tem algum. Júlio de pronto corre à casa de Enedino que ainda não tinha acordado. Bate a porta com insistência. Enedino acorda e por sorte tinha as ataduras de gesso. Com o braço já engessado Júlio procura consertar o pneu da carroça e retorna à casa em seguida ainda sob temporal. Ao chegar encontra Inácia com outros apuros. As águas acumularam-se ao redor da casa e já estava invadindo o interior. Júlio desatrelou Alvorada guardou os arreios e acomodou Zacarias na sua cama. Em seguida com dificuldade improvisou um arrimo com sacos de areia colocando-os no entorno para impedir que a casa fosse alagada. Por precaução acomodou os poucos objetos de valor em cima do guarda roupa e alguns pendurou amarrando-os nos caibros. Mesmo assim estava ciente que a casa não suportaria outra noite de chuva. Melhor seria prevenir que remediar. Planejou pedir arrego na Prefeitura ou com o Padre Bartolomeu. Procurou o Prefeito, mas esse estava ausente, pois tinha ido à Capital a procura de socorro. Foi ter com o Padre Bartolomeu. De pronto o vigário ofereceu-lhe ajuda e disse-lhe que trouxesse o mínimo necessário para um dos cômodos da Casa Paroquial. Júlio retorna e juntamente com a mulher acomoda na carroça todo seu patrimônio. Alguns gêneros alimentícios, duas esculturas de madeira, duas redes, uma maleta com roupas, um filtro de barro, um sistema de som 3 em 1, uma pequena TV, alguns retratos de família, uma Bíblia Sagrada, um crucifixo de pedra sabão e um oratório com uma imagem de Padre Cícero Romão Batista. Dispôs um travesseiro para acomodar Zacarias e partiram. A meio caminho, com a continuidade das chuvas, rompeu-se um pequeno barreiro lindeiro à estrada que transitavam e o nível das águas subitamente cobriu toda a estrada. O burrico Alvorada não teve força suficiente para enfrentar a correnteza e a carroça foi arrastada indo de encontro a um muro de arrimo. Com o choque todos os pertences foram arrastados. Júlio consciente da perda material e reconhecendo ser um fato consumado preocupou-se apenas em levantar e conduzir Zacarias para um local seguro para onde também foram Afra e Inácia. Vão-se os anéis ficam os dedos – comentou tentando acalmar a mulher que chorava copiosamente. No outro dia a chuva parou e o sol voltou a brilhar. Finalmente tudo isso não teria acontecido se não existisse dois desocupados um escriba simplório como eu e um leitor curioso como você. Infelizmente em todo jardim há flores e espinhos. maurício montenegro

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Flor do cerrado

Os filhos da gente nunca crescem, são sempre meninos. Convivendo diuturnamente você pensa que conhece as pessoas; Por mais íntimas que sejam há sempre um universo intransponível em cada um protegido pela individualidade. De onde menos se espera às vezes acontecem descobertas inusitadas. Manifestações incomuns que denunciam atributos reprimidos como é o caso que demonstra meu primogênito Guga ao escrever o belíssimo poema a seguir transcrito singular e exótico como uma flor do cerrado. Pelos hotéis e pousadas Sumido, perdido na estrada Da rua do poço do mundo Chorando o pranto profundo Das dores dessa madrugada Sem ponto, partida ou parada. Encaro o fel e a doçura Olhando beleza e feiura Querendo chegar pra sair Sonhando acordar e sorrir Vivendo sem tanta amargura (Guga Montenegro)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Meu nome é Caio

Sentei num banco à sombra de uma mangueira enquanto esperava lavar o carro. Aproximam-se um afro descendente e um garoto de uns seis anos. Ambos sentaram-se no meio fio e o menino reclamou: - Nós chegamos primeiro. Disfarcei e disse que eles podiam sentar no mesmo banco se quisessem. O guri muito simpático e com ar desinibido abraçava duas bandas de côco verde. O adulto também sorridente segurava um par de chuteiras. Puxando conversa balançou as duas segurando-as pelo enfiador e comentou: - São pesadas. Para ser simpático segui a conversação: - O Senhor joga em qual posição? - Zagueiro sentado. - Não, é que a maior parte do tempo fico no banco. Sorri com seu bom humor e voltei-me para o garoto. Brinquei e perguntei se ele não me dava um pedaço de côco. - Pode levar. Respondeu sem titubear. Elogiei seu comportamento e perguntei seu nome. - Meu nome é Caio. - Caio Prado Júnior - comentei. (Não sei por que essa bobagem da gente repetir o nome de alguém famoso). - Errou. Caio Barbosa Lobo. E sei imitar “Maicon Gerson”. Pensei um desses meninos prodígio. - Ah você sabe imitar o Michael Jackson imita ai que eu vou filmar com o celular. Liguei a geringonça para filmar, mas não encontrei a função desejada. O garoto consolou-me. - Liga não. Teu celular tá de bobeira. São coisas simples da vida com poesia e humor guardadas no baú da sabedoria popular.