sábado, 3 de agosto de 2019

O Diabo do Beco do Zumbi

Quem se aventurasse nas noitadas de orgia frequentemente encontrava aquele personagem sinistro esguio e solitário. Um visual imutável, sempre o mesmo terno branco, as unhas pintadas, os cabelos pretos como a graúna untados e impecavelmente penteados, sapatos de bico fino pretos e bem lustrados. Não tinha amigos e era arredio aos cortejos. Furtivo aos assédios nunca foi visto em companhia masculina ou feminina. Tornara-se uma figura misteriosa e folclórica. Poderia ser encontrado em algum bordel todas as noites. Numa noite escura de inverno encontrei-o macambúzio apoiando-se num poste sob um lampião no Beco do Zumbi. Vendo aquele quadro desolador com receio resolvi fazer um contato. Foi uma conversa monossilábica e entrecortada com hiatos prolongados. Confessou que na realidade era um anjo caído. Lamentava-se da má sorte e que seus poderes foram cerceados e banidos. Já não conseguia aterrorizar mais ninguém. Estava renegado a um plano inferior. Quando muito conseguia alguma matreirice em festinhas infantis. Antes temido e pérfido, astuto e encantador, sabia insinuar-se entre os homens e mulheres, através dos sentidos, da fantasia, da concupiscência e da lógica utopista. Hoje era um saco de vento, um zero à esquerda. Morava ali no Beco do Zumbi nº 666 e possuia muitas identidades:Asmodeu , Azazel, Belzebu, Cadreel , Mastema , Mefistófeles, Abramalech, Astaroth - Baalberith - Belial - Nergal - Pazuzu - Ahriman. Apollyon - Baphomet e Beherit . Expressava-se fluentemente em qualquer idioma, mas não conseguia estabelecer um relacionamento. Sentia-se impotente e não sabia como enfrentar o desolamento. Só lhe restava a aposentadoria compulsória. Resolveu procurar um psicanalista e após inúmeras sessões finalmente encontrou um lenitivo, um subterfúgio que ardilosamente o colocou na carreira política e hoje completamente revigorado realiza suas peripécias diabólicas no Congresso Nacional, em Brasília.

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