sexta-feira, 12 de julho de 2013

OS SETE FOLEGOS DE ANACLETO GAMBARRA

Anacleto Gambarra não era um expoente, antes um lugar comum entre os mortais, perdido anonimamente na multidão.

Nada lhe estimulava a auto-estima. Frágil composição corporal, olhos miúdos e redondos, o cabelo repartido ao meio,  um diminuto e fino bigode a lhe adornar o rosto pálido e redondo.

Trajava com freqüência uma surrada calça escura, um colete cinza e gravatinha borboleta.

Caminhava rua acima, rua abaixo, como se estivesse numa busca frenética a um lugar nunca encontrado, sempre conduzindo debaixo do braço uma inútil papelada encartada num jornal velho imaginando projetar um apelo intelectual.

Produzia máximas da demência antecipando-se às leis de Murphy.

“O que é bom pra todos é pra um”.

“Todo jogo começa zero a zero.”

Às vezes em Latim, mesmo ignorando seu significado.                     

 “Homo quid homo est non flere.” (Homem que é homem não chora).

Morava com uma tia avó, viúva que o adotou desde os 2 anos. A subsistência era garantida com a pensão da tia e os parcos recursos de uma aposentadoria por invalidez.

Uma de suas manias era decorar o dicionário de Português conseguindo até o momento gravar até a letra “M” no verbete Monopsia – estado de  monopse, palavra para designar quem só tem um olho e monopsônio que é a estrutura de mercado caracterizada por haver um único comprador para o produto de vários vendedores.

Nasceu de parto prematuro e complicado que resultou no falecimento de sua mãe. Seus primeiros dias de vida foram numa incubadora. Permaneceu  três meses sob os cuidados desse equipamento. Nesse ambiente experimentou sua primeira adversidade quando um tubo (endotraqueal) colocado no seu nariz indo até a traquéia e responsável pela ventilação foi inexplicavelmente obstruído. Não teve morte instantânea por pura sorte.

Seu pai dois anos após seu nascimento foi vitimado por febre amarela vindo a falecer. Ficou sob os cuidados de Adalgisa sua tia avó.

Aos doze anos foi vítima de outro infortúnio quando sofreu uma queda ao escalar uma mangueira do quintal de casa. Teve duas costelas quebradas e uma fratura exposta na perna esquerda.

Aos dezesseis anos teve seu primeiro emprego como ajudante de zelador na biblioteca municipal.

Adorava sua ocupação e lá adquiriu o hábito pela leitura. Mais tarde fruto das amizades e de sua dedicação foi contratado como zelador da biblioteca.

Aos vinte e cinco anos, no lusco e fusco de um  dia dos festejos juninos foi atingido por um busca-pé que lhe causou queimaduras generalizadas incapacitando-o para o trabalho protagonizando seu quarto infortúnio e proporcionando-lhe a aposentadoria prematura.

O acidente causou também seqüelas irreversíveis no seu comportamento. Adquiriu tiques nervosos e um aspecto meio bizarro aparentando ausência e inquietação. Não era mais o mesmo. Desconhecia as pessoas e tinha dificuldade no relacionamento. Tornou-se excêntrico e sombrio. Cultivou novo visual adotando o uso de uma gravatinha borboleta.Este novo Anacleto passou a ser alvo de chacotas e gozações. Ganhou muitos apelidos como  “Data Venia”  expressão com que iniciava suas falas, “Tição Branco”, por conta das queimaduras e “Manequim de Alfaiate”, devido  a indumentária que insistia em trajar.

Sua vida transformou-se num beco sem saída.

Festa da Padroeira.  A cidade engalanada e o povo frenético.

No coreto da pracinha central a bandinha da Prefeitura Municipal executava marchinhas e dobrados militares para um público cativo na maioria composto por crianças.

Anacleto depara-se com um caminhão onde um auto falante anunciava o recrutamento de pessoas para trabalharem num garimpo. Anacleto intentando fugir dos assédios chistosos imaginou:

“Toda araruta tem seu dia de mingau.”

Sem titubear partiu para mais uma aventura.

No garimpo se envolve involuntariamente, numa briga violenta. Um dos contendores desferiu duas facadas uma atingindo-lhe o esôfago e outra  por um triz não atingiu o coração. Perdeu muito sangue e desmaiou.  Esvaindo-se em sangue é socorrido pelo capataz que o transfere para um posto de saúde no município mais próximo.

No segundo dia apos devidamente medicado toma um novo destino. Resolve abandonar a ocupação de garimpagem por considerá-la extremamente perigosa e alheia às suas qualificações. Pega carona num paquete sem um destino prévio. Desembarca no primeiro porto, Rio das Pedras. Uma cidade ribeirinha com pouco mais de vinte mil habitantes.

Numa estalagem toma conhecimento que estavam recrutando pessoas realização de um senso demográfico. Inscreve-se e é aceito como recenseador. Durante dois meses percorreu a zona rural do município utilizando-se dos mais variados meios de transporte, carroça de boi, canoas e mulas. Essa nova atividade lhe valeu uma doença tropical. Foi acometido de malária. Durante meses teve acessos periódicos de calafrios e febre. Sozinho e anônimo esteve às portas da morte. Teve a sorte do dono da estalagem apiedar-se de sua situação e prestar-lhe socorro durante a enfermidade.

Radicou-se em Rio das Pedras e la criou raízes. Empregou-se numa tipografia e maravilhou-se com o novo emprego. Certo dia por negligência quase decepou a mão numa guilhotina manual, mas perdeu dois dedos o médio e o indicador da mão esquerda.

Seu patrão numa pitada de humor comentou: Há males que vêm para o bem. Agora você está habilitado a candidatar-se a Presidente da República.

Anacleto alegrou-se com o adágio popular matéria de sua predileção. Ao mesmo tempo ficou matutando sobre a insinuação do patrão.

Ali em Rio das Pedras, longe dos achincalhes de sua terra natal, sendo uma pessoa respeitada bem que poderia ingressar na política.

Assim pensou e assim fez.

Ano seguinte foi eleito deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores.

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