sexta-feira, 4 de novembro de 2011

DO FUNDO DO BAU IV

AS FRENTES DE EMERGÊNCIA E FREI DAMIÃO


A logística dos programas de emergência de assistência aos necessitados atingidos pelas estiagens funcionava assim:

Ruralistas premidos pela necessidade e pela fome dirigiam-se em bandos às cidades circunvizinhas em busca de comida, conduzindo apenas suas ferramentas manuais de trabalho, foices, enxadas, etc.

Uma vez detectada uma dessas ocorrências havia a intervenção do governo com um programa de assistência patrocinado pela SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste.

O executor era o Governo Estadual através do Departamento de Estrada de Rodagem.

Os homens eram recrutados para trabalharem em serviços de recuperação das rodovias estaduais. Depois de alistados eram agrupandos em pequenos grupos de14 pessoas. Um deles era designado como feitor outro para a preparação das refeições, outro para o provimento de água e os onze restantes ocupavam-se de tarefas de tapa buracos e capinagem nas rodovias estaduais onde se encontravam. Os grupos assim formados eram distribuídos a cada quilômetro ao longo das vias.

Para cada grupo distribuía-se um tambor de 200 litros para depósito de água, carrinhos de mão, pás, picaretas, enxadas e ancinhos.

Um caminhão pipa diariamente provia o suprimento de água que era depositada nos tambores.

Pagava-se semanalmente Cr$70 cruzeiros a cada grupo cabendo cinco cruzeiros a cada pessoa, o equivalente aproximadamente a 1 dólar por pessoa por semana, mais uma cesta básica composta de feijão, carne de charque, bolachas, arroz, sal, café, açúcar e farinha, batata doce e rapadura.

Os víveres chegavam em caminhões para serem distribuídos entre os “flagelados”.

Na década de 70 fui contratado pelo DER-PB para trabalhar numa dessas frentes de emergência. O Governador do Estado era o Dr. João Agripino Filho.

O Eng.º Guilherme Dantas Vilar efetuava a coordenação Geral do programa e a sub coordenação ficava a cargo do Eng° Valdênio Dervile Araruna.

Fui destacado para a região polarizada por Itaporanga onde se localizava a base das operações envolvendo ainda os municípios de Monte Horebe, Conceição, Diamante e Bonito de Santa Fé. Ao todo atendíamos a um contingente de aproximadamente 8.000 pessoas atingidas pelo flagelo das secas.

Uma de minhas funções era o gerenciamento dos grupos distribuindo-lhes as tarefas e providenciando o pagamento semanal.

Certo dia estávamos, eu e Valdênio, em Bonito de Santa Fé.

Comentava-se que aquela cidade estava sendo “invadida” pelos ruralistas. Dirigimo-nos a uma casa que havia sido alugada pelo DER para depósito de gêneros.

Pelas frestas de uma janela pudemos ver que grupos de pessoas se dirigiam justamente para casa onde estávamos à procura de alimento. Eram dez, de repente trinta e logo formou-se pequena multidão. Cerramos todas as portas com tramelas. As pessoas insistiam em entrar e batiam na porta com os cabos de suas ferramentas. Do lado de dentro apavorados informávamos que na casa não existia comida ainda. De nada adiantava. O clamor aumentava e o medo também. Tentamos fugir pelos fundos o que não foi possível em virtude de haver um abismo ao final do muro.

Foi quando aconteceu então a intervenção de um religioso, Frei Fernando, um frade capuchinho que acompanhava Frei Damião nas suas memoráveis missões e na oportunidade ali se encontrava.

Frei Fernando infiltrou-se na turba esfomeada apaziguando-a. Com os braços levantados, com voz firme falou:

- Todos me conhecem, tenham calma, estou com Frei Damião e vou entrar nessa casa e verificar se é verdade o que os funcionários do governo estão dizendo.

Abrimos a porta cuidadosamente, o frade entrou e tudo terminou bem.

Por pouco não fomos assediados.

Fomos salvos pelo gongo ou graças a Frei Damião de Bozzano que por acaso ali se encontrava.

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