segunda-feira, 8 de março de 2010

Milton Delone.

Milton Ponce de Leon, ou Milton Delone como era conhecido, foi meu professor de português no Liceu Paraibano.


Grande mestre!

Falava e escrevia um português escoimado de repetições e ambigüidades.

Craque na gramática reverenciando a todo instante nomes como Júlio Ribeiro e José Oiticica que ele citava:

Sou raça pagã dos Prometeus...


Guardo em mim as grandezas do indescrito,


E a vontade divina de ser Deus
Não perdoava um escorregão.

- Como é o aumentativo de carta?

- Cartão, professor.

- Errado. Isto é um erro crasso, um solecismo cabeludo, o aumentativo de carta é

C A R T A P Á C I O!

Andava constantemente escorreito, de paletó e gravata e sapatos cuidadosamente lustrados.

Certa vez o Professor Delone iniciou a aula fazendo uma reclamação sobre um episódio ocorrido na noite anterior numa sessão de teatro.

Sua zanga originou-se quando um rapaz, sentado ao seu lado, ao ver uma atriz lindíssima que se apresentava mostrando as pernas, não se conteve e tascou:

- Puta que o pariu!

- Ele poderia ter dito a mesma coisa de forma mais elegante:- Que morena formosa!

O professor naturalmente fiel ao preciosismo vernacular não mensurou o peso real da expressão utilizada pelo rapaz.

Você já parou pra pensar e avaliar o peso do “puta que o pariu”?

Se for pronunciado cadencialmente, sílaba por sílaba, “pu- ta – que – o – pa- riu”, dá mais ênfase ainda e traduz com precisão os mais fortes e genuínos sentimentos.

É como “vá tomar no cú”. Já observou a densidade do “vá tomar no cú”, é como se você assumisse a liderança da discussão.

Não desejo inverter os valores cultivados pela sociedade nem muito menos defender que a língua portuguesa abandone suas referências lingüísticas a chamada língua padrão.

Por trás de tudo há uma forte ironia:as pessoas que pertencem às classes desfavorecidas não têm o domínio da norma culta simplesmente porque a sociedade lhes nega o direito a uma boa educação. Mas, como na fábula do lobo e do cordeiro, são elas que estão erradas e a elite está certa. Advém então um sentimento de insegurança tão grande que elas próprias passam a aceitar a culpa e admitir que realmente falam errado.

Seria mais lógico que, em vez de se ensinar que as frases são corretas ou erradas, se transmitisse a consciência de que a língua não é uniforme nem estática e que, por isso mesmo, admite uma pluralidade de usos. Estes podem ser expressivos ou inexpressivos, elegantes ou grosseiros, comuns ou raros, formais ou informais, adequados ou não aos propósitos comunicativos, sempre diferentes uns dos outros e jamais errados em sua essência.

Afinal variações e mudanças são inerentes a quaisquer idiomas.

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