quinta-feira, 1 de abril de 2010

O fio do rádio.

Silvério era uma espécie de secretário do meu pai.


Em casa era um factótum.

Fazer a feira, chama Silvério.

Levar os meninos à escola, chama Silvério.

Levar os meninos ao barbeiro, chama Silvério.

Uma figura humana espetacular. Acho que faltava alguma coisa em sua estrutura psíquica e emocional ou sobrava-lhe alguma coisa, pois seus sentimentos eram só bondade, ternura e alegria.

Tudo para ele era bom, não conhecia a maldade. Um querubim. Extremamente tímido e emotivo (chorava por qualquer coisa). Não era apegado a coisas materiais e nunca se casou.

De estatura mediana e feições asiáticas. Ás vezes absorto, com o olhar para o infinito movia, com a língua, sua prótese dentária que parecia ter mais dentes do que a boca podia conter.

Soube que começou a falar somente aos nove anos de idade.

Apesar de ser uma pessoa simplória vez por outra tinha uns rasgos de inteligência e astúcia.

Morávamos em Bananeiras onde meu pai gerenciava uma usina de beneficiamento de algodão.

Mensalmente, ou quinzenalmente, não me recordo, Silvério viajava de trem à Capital para apanhar o numerário necessário ao pagamento dos empregados da usina.

Ele mesmo bolou um ardil para garantir a segurança dos valores transportados.

Colocava as notas numa pequena cesta de vime forrando-a com jornal e preenchia com ovos para não chamar atenção dos curiosos e trombadinhas que aquela época existiam, mas eram escassos.

Voltava também de trem na maior tranqüilidade.

Em contraponto a esses arroubos de esperteza armazenava extrema ingenuidade.

Certo dia eu lhe disse:

- Silvério meu pai comprou uma camioneta Stud Baker e eu soube que ela tem um rádio.

Após alguns minutos de reflexão ele me pergunta na maior inocência:

- Já pensou no tamanho do fio quando ele for a João Pessoa?

Um comentário:

  1. Li há alguns poucos anos atrás um livro, ainda quando discente na academia que mencionava a velocidade do tempo, como hoje na pós modernidade tudo é tão mais rápido. O livro para exemplificar esta afirmativa relatou que quando os bondes chegaram ao Rio de Janeiro, as pessoas ficaram tão incrédulas com a velocidade daquele meio de transporte que eram atropeladas, por não conseguirem atravessar à rua ... quando vejo as pessoas atravessando a BR 230 em frente ao Hiper Bom Preço sempre me recordo deste livro ... garanto que quando escuta um comentário semelhante como o de tia Maza que não dormiu de noite pensando no fio da furadeira recorda desta estória dos tempos da infância... o mundo evolui numa velocidade que não somos às vezes capazes de imaginar tais soluções :)

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